sábado, 30 de abril de 2011

Jogados fora


Aborto de humanidade

Num momento sombrio, preto e branco são as cores certas.
O sangue das veias agora está exposto, encobrindo nosso corpo.
Jazemos feridos, humilhados e sujos, a vida não nos é mais uma oferta.
Não sou um, somos vários, deveríamos ser vida, mas não passamos de um aborto.

Ficamos por meses junto do conforto do ventre de nossa criadora.
Segurança maior não há, mas também tudo que ocorre a ela sentimos.
Essa ligação divina, elo invisível de amor, e acabamos sendo sua maior vergonha.
Não temos poder sob nossa vida, não passamos de seres desprevidos.

Somos feitos aos pedaços, somos derretidos, somos rejeitados.
Não sentimos ira e o choro é nosso único meio de revolta.
Do lugar mais seguro do mundo fomos à força, arrancados.
Nossas partes dilaceradas, de nossos corações ninguém se recorda.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mulheres


Canção das mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.

[Lya Luft]

Falsidade


Mascará e Rosa em pedaços

O branco e o vermelho. Das cores da paz e a paixão.
A máscara nossa de cada dia. Em retalhos agora está.
Jaz sobre a beleza de uma rosa. Pétalas jogadas estão.
O olhar vazio o Nada indica. Nada a fazer, morrer na solidão?

Paz que sempre é buscada, mas difícil ser mantida.
Paixão a cada toque e em cada conquista, trás satisfação.
Branco de cor pura, de paz, de liberdade, cor desimpedida.
Vermelho de cor intensa, de auge, de delírio, cor de ilusão.

Cada um mascarado está, quanto tempo a máscara ira usar?
Aqui jaz o perigo ser o que cada um é de verdade. Sinceridade.
Quando a tiramos, assumimos riscos, temos perdas e ganhos.
Quando a cortamos damos um fim, usada não mais será.

Máscara e rosa, misto de beleza e igualdade, um Uno em dois.
Cada qual possui seus espinhos e seus encantos, e doem.
A Rosa de perfumes, cores, formas inexatas e vaidade.
A Máscara de falsidades, mentiras, de forma indeterminada e dualidade.

Faltam aos olhos visão, diante do que somos e não devemos ser?
Falta algo em cada um de nós para o Vazio poder preencher?
Há visão, mas não há vontade de ver. Negação.
Há Tudo, mas não há o desejo de ter. Solidão.

Arranque as pétalas da Rosa, jogue-as ao vento.
Tire a Máscara e corte-a, jogue-a ao chão.
A beleza agora foi feita em pedaços, houve dispersão.
A falsidade foi retalhada, houve cortes e não haverá mais punição.